HOJE APARECEU UM POMBO
Hoje apareceu um pombo morto no
quintal. Não foi o gato, que morreu
antes dele num sábado sem sol, a não
querer já a minha mão, a não querer
colo. Fiquei cansada: houve sempre
tantas mortes na minha vida - os
meus pais, tu, a menina pendurada no
meu seio, os meus irmãos - e, como
o pombo, também estas asas já vão
reclamando voos noutros céus. Se eu
quisesse camélias brancas na minha
sepultura, como as que levei à igreja
quando nos casámos, ou arrastar para
a escuridão da terra o vago ouro das
nossas alianças; se tudo o que juntei
(e foi tão pouco) pudesse ainda ficar
com os que me faltam, dava estes dedos
deformados ao tear das palavras e
escrevia um bilhete como as raparigas
que se envenenam por amor; e havia de
pousá-lo no peito depois de me deitar,
já lavada e vestida, para que ninguém
se desse ao trabalho, que eu conheço
essa dor. Mas partir é mesmo a minha
última vontade: tu já morreste, morreu o
gato há dias; encontrei hoje um pombo
morto no quintal e, quando o enterrar, não
haverá já nada que me prenda - vou-me
embora daqui tão só como cheguei, sem ter
deixado a ninguém o nome que me deram.
Selecção de Poemas - Tomás Salavisa