Engolir quilómetros era a sua tarefa e assim sucedia. A tarde estava demasiado quente, mas dentro do autocarro o ar condicionado funcionava em pleno e a temperatura, de tão agradável, conduzia os poucos passageiros a uma quietude extrema. Muitos, mesmo, dormitariam. O único som era o do motor que nos puxava. De súbito a modorra de um dia quente de verão foi cortada por uma voz de mulher (nova, velha, de meia idade? - ninguém se moveu para descobrir) que falava ao telemóvel. Durante alguns minutos foi possível ouvir aquela voz num registo tão elevado que, de certo, se ouviria por todo o autocarro, e entender a outra parte do diálogo, imaginando as palavras que não se ouviam. Tratava-se de uma história de amores e, percebeu-se, agora de desamores. A nossa companheira de viagem, pelo que ia referindo, tinha sido a vítima, a sacrificada, quem tinha dado tudo para que aquele amor (ou união) não findasse. Entendeu-se que não havia volta a dar. Aquele amor, o tom de voz era claro, tinha acabado. Álvaro - ouviu-se em tom doloroso. E o autocarro entrou, de novo, no silêncio absoluto.